INTERVALO é uma série de imagens fotográficas digitais de imóveis particulares (feitas
através de um telefone celular, com a posterior inserção das datas de quando foram
realizadas) impressas em papel para escrita braille com escrita braille sobreposta a elas.
As imagens são apresentadas sobre suportes de madeira levemente inclinados,
posicionados na altura das mãos do observador, a fim de que o mesmo possa tocá-las.

INTERVALO surgiu da constatação de um erro e da consequente busca por um reparo
possível. Ao cruzar a certidão autenticada de propriedade atual de um imóvel com a sua
situação (in loco) a partir de um registro fotográfico recente, constatou-se que havia um
lapso de tempo entre as duas situações: o documento oficial descrevia algo que não havia
mais ali: uma casa de moradia. Para regularizar a situação daquele imóvel nos orgãos
públicos seria necessário demolir a casa, isto é, demolir a casa no papel, demolir a casa
existente que não mais existe. Só então o imóvel se tornaria o que também é: uma ruína.

Por vezes, para se chegar a algum lugar, é preciso ir além do que se pode ver. Como seria
possível corrigir o intervalo entre tempos distintos, o lapso presente entre duas formas
de documentação socialmente aceitas: o documento registrado em cartório e a
fotografia? Seria tentando reconstituir o estado anterior daquela coisa, trazendo-a de
volta? Ou talvez o caminho fosse justamente apontar para esta impossibilidade? A
resposta a estas indagações veio a partir do uso de outros domínios que fossem além do
que pode ser visto, buscando o que demanda outros sentidos, para devolver o documento
à imagem, a imagem invisível à imagem, como um machucado ou uma cicatriz sobre o
papel, um rastro, em um procedimento de sobreposições:

1.fotografar o lugar e registrar a data da fotografia na própria imagem e imprimir
em papel para escrita braille;

2.ir ao cartório e autenticar a certidão de propriedade atualizada no mesmo dia do
registro fotográfico;

3.apagar na certidão, com um marcador preto, tudo o que é supérfluo, deixando
apenas visível sua descrição primeira que caracteriza o imóvel oficialmente e os
dados da autenticação em cartório;

4.com uma máquina de escrever em braille e auxílio de um deficiente visual, marcar
como uma tatuagem a imagem, escrevendo sobre ela o que ela ainda é oficialmente
mas ninguém pode ver, devolvendo ela a ela mesma;

5.reconstituir o estado anterior da “coisa imóvel” demonstrando ao mesmo tempo
esta impossibilidade;

6.buscar a coexistência das coisas ou o intervalo entre elas;

7.posicionar a imagem sobre suporte adequado para leitura em braille, de modo que
possa ser vista e tocada e nomeá-la pelo o que ela é oficialmente;

8.repetir a operação sempre que um imóvel nestas condições for encontrado em
qualquer cidade do Brasil.

Marília Scarabello é artista visual e fotógrafa. Formada em Arquitetura e Urbanismo
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especializou-se em Cenografia Teatral
no Espaço Cenográfico e é mestranda em Artes Visuais pela Unicamp. Como artista
visual possui um trabalho que transita entre a fotografia, arquitetura, ações urbanas
e instalações, abordando muitas vezes questões relacionadas à efemeridade.

Marília Scarabello -Jundiaí-SP, 1982.
Vive e trabalha em Jundiaí, SP.

mariliascarabello@gmail.com | www.mariliascarabello.com.br

Visitação de segunda à sexta, das 9h às 21h

Galeria do Espaço Cultural Casa do Lago

Av. Érico Veríssmo, 1011 - Unicamp - Campinas/SP